Sujeitas às forças do capital, populações migratórias e circunstâncias políticas, as cidades estão em constante evolução. Essa evolução contínua é evidente no tecido construído dos assentamentos, à medida que arquitetos e urbanistas constroem sobre camadas já existentes, alguns tendo a árdua tarefa de integrar com sucesso as áreas urbanas históricas com intervenções e sistemas arquitetônicos contemporâneos.
As cidades desta categoria estão frequentemente em conflito interno - muitas vezes tendo que lidar com os objetivos às vezes contraditórios de sustentar as populações locais e acolher investimentos externos e projetos de desenvolvimento nacional.
A histórica cidade de Lamu, na ilha de mesmo nome situada na costa norte do Quênia, no Oceano Índico, é uma urbanização rica em características arquitetônicas, com deslumbrantes edificações de pedra e ruas estreitas típicas de um assentamento suaíli - encontrado no leste da costa africana. Trata-se de um Patrimônio Mundial da UNESCO e tem atuado desde o século XIX como uma importante zona de convergência para estudiosos islâmicos e suaílis da região. No ano passado, a área viu o lançamento de um novo porto – parte de um projeto de infraestrutura que visa criar um corredor de transporte entre Lamu, Sudão do Sul e Etiópia.
Oito anos antes deste lançamento, no entanto, a partir do anúncio do empreendimento, foram realizados concursos esclarecendo em detalhes como lugares, tais quais Lamu, precisam se equilibrar entre ser um local histórico e abrigar o desenvolvimento. Da perspectiva governamental, o porto foi projetado para se tornar um complemento ao status de Mombaça como um hub na região, além de ajudar a gerar empregos para as pessoas que vivem na área. Um grupo de ONGs, no entanto, contestou parcialmente o porto, citando a falta de envolvimento da comunidade e transparência no processo de projeto.
Mas o porto também foi visto como um empreendimento positivo pelos próprios moradores, com alguns dos mais jovens enfatizando como o projeto trará Lamu para o “mundo moderno”. Em lugares como Lamu, no entanto, obras desse gênero não podem ser vistas como o ponto de referência singular para esses debates em torno do desenvolvimento urbano em cidades históricas. Designado como Patrimônio Mundial da UNESCO em 2001, seu crescimento em popularidade como centro turístico levantou preocupações sobre como um influxo de extrema riqueza levou à gentrificação, conversas que ocorreram antes do anúncio do projeto do porto. Muitos dos edifícios históricos suaíli de Lamu, por exemplo, foram preservados em parte por causa do investimento estrangeiro, mas isso também tem altos preços imobiliários, prejudicando os moradores locais que desejam comprar residências em suas próprias comunidades.
No contexto geograficamente distante de Liverpool, no Reino Unido, esse conflito entre a cidade como zona patrimonial e como centro de comércio foi recentemente trazido à tona, já que, suas docas se tornaram apenas o terceiro lugar na história a perder o status de Patrimônio Mundial. O que motivou essa decisão da UNESCO foram, em parte, empreendimentos como o Liverpool Waters, destinado a transformar terrenos que antes estavam em desuso, o que levou à “perda irreversível de atributos que transmitem o valor universal excepcional da propriedade”.
Para os líderes da cidade de Liverpool, a decisão foi decepcionante, e sua resposta delineou o dilema enfrentado pelas cidades marcadas como patrimônio, afirmando como esses locais não devem ser forçados entre a regeneração ou a manutenção de seu status de patrimônio. A culpa, no entanto, também foi apontada para o conselho da cidade por permitir que a cidade fosse atingida por escândalos imobiliários, com canteiros de obras parados tendo um impacto negativo na paisagem urbana.
Enquanto tentativas são feitas no Quênia para atrair investidores para usar o porto de Lamu como um centro regional, e enquanto a cidade de Liverpool busca se reorientar após sua saída da lista da UNESCO, esse conflito interno, já que as cidades buscam manter o passado olhando para o futuro, é muito comum com o passar do tempo. No entanto, dois anos depois da década de 2020, essa situação sem dúvida ainda gerará dificuldades para arquitetos, governos e a comunidade em geral.